A grande verdade é que eu vivo de memória. Minha vida é feita de uma constante batalha contra as lembranças: para apagá-las, para guardá-las e sobretudo para vivê-las. E essas memórias são feitas principalmente de pessoas. Guardo as primeiras vezes impregnadas pelos detalhes mais triviais de todas as mulheres que amei, de modo que luto contra a névoa espessa e difusa da memória para evitar que os astros prateados de cada lembrança escapem dos meus dedos.
Eles propagam seu brilho há anos-luz daqui. Em cada um deles seu lusco-fusco cintilante me lembra de cartas, conversas, abraços, beijos, cheiros, pele, braços – vontade de enlaçar-se nesses braços – vozes, bocas, corpos. E todos esses astros são pérolas encrustadas no meu coração. Logo, arrancá-los implicaria num sofrimento sangrento. Pessoas, assim como lembranças, são únicas, e não podem ser alienadas.
Algumas dessas pérolas precisaram ser arrancadas com a violência que se rasga uma ostra, mas para preservação de mim mesmo. Hoje elas estão perdidas no buraco negro da memória, e, por mais que eu tente chamá-las, elas já foram aglutinadas para virar ondas-gama nos confins do passado. Afinal, assim como a vida se decompõe, nem as pérolas escapam ao nada.
Sofro com lembranças persistentes, perdidas ou roubadas, que sucederam-se em outras vidas. Mas não há nada pior do que não viver as lembranças que eu mesmo criei. As que nasceram do meu próprio coração e estão doendo, esperando para serem vividas.
E então lembro dos teus olhos coloridos de azul-calmaria. Afinal, todo o teu corpo é calma e fragilidade.
Logo fui arrastado pela correnteza do teu azul aquático, e tudo o que minhas parcas estrelas-vagalume conseguem brilhar no vão dilatado da minha memória são abraços desconcertados, teus olhos brilhantes, que me negavam em tons de verde, azul e cinza; pedaços de uma sequência ébria que em vão ainda tento reconstruir.
E no meu coração os astros de futuras memórias agonizam como bebês que nascem mortos. Porque todos os sóis, corações e desenhos que fiz pra você ainda estão na minha gaveta. Todas as serenatas ainda vão esperar mortificadas garganta adentro, de mão dadas com as cordas silenciadas do meu violão.
Existe mal mais feroz do que amar lembranças do desconhecido?
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