Quando entrei em sua casa, vi uma plaquinha pendurada na coluna da varanda, em delicada letra cursiva e arabescos com pequenas flores em volta das palavras: Aqui mora um escritor. Perguntei: o que é ser um escritor? Ser um escritor é ter publicado muitos livros, é ter participado de muitos congressos de poesia, é ter feito muitos lançamentos de livros, com muitos discursos sobre o dulce et utile da poesia, é ter ganhado prêmios literários em profusão, é ter sido citado em antologias de poetas contemporâneos. Veja, meu amigo, não é fácil ser escritor, porque já convivi com muitas pessoas invejosas, que falam mal deliberadamente de nossas obras, por simples despeito de nosso sucesso,isso às vezes me desanima um pouco do ofício, mas eu me defendo como posso, escrevendo artigos para explicar meus poemas, lembrando ao público os recursos que utilizo para escrever, que evidenciam minha originalidade e criatividade, assim lanço um pouco de luz na compreensão das pessoas e torno mais acessível a leitura de minha poesia, que é difícil, eu sei, mas com a ajuda do autor, percebo que as pessoas vão comprendendo-a melhor, na medida em que explicito minhas intenções e revelo a estrutura externa de meus poemas. Por outro lado, há as pessoas que sinceramente admiram nossas obras, comentam-nas, um dia desses encontrei uma senhora muito simpática que me reconheceu, o senhor não é o poeta Alcebíades Quaresma?, respondi sou eu mesmo minha senhora, e ela, puxa, que prazer em conhecer um poeta de verdade, já ouvi falar de seus poemas, foi sua esposa que me falou deles, e a senhora gostou deles?, e ela, ainda não os li, mas quem sabe algum dia?, muito prazer, senhor poeta, continue enriquecendo nossa arte com suas belas poesias, quero vê-lo no próximo salão do livro, tá? Veja, amigo, é o reconhecimento dessas pessoas que nos conforta, alguém que aprecia nossa poesia, que faz com que valha a pena ser escritor, um nome que não sai do nada, que é difícil construir, mas que, com determinação e seriedade, e uma certa participação social dentro dos limites da decência e da conveniência, é possível fazer crescer e preservar. Sim, preservar, talvez seja o mais difícil de todo o processo, não é nada confortável a posição que nós escritores ocupamos na sociedade, porque temos a todo momento de dar mostras de que continuamos atentos ao que a sociedade espera de nossas atitudes, nossas opiniões, nossa integridade. Enfim, vida de escritor não é fácil.
Em seguida o amigo poeta ofereceu-me café, tapioca, biscoitinhos de manteiga, e com muito saber e sincera formalidade
falou-me mais do duro ofício de ser poeta numa sociedade pragmática, material, insensível, etc. etc. etc.
Saí de lá cheio de admiração e perplexidade: ingenuamente, achava que para ser escritor bastava escrever.
Cid
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