Vou escrever o meu sonho. Sonhei que tu ias embora. Mas como escrever o que não houve? Se ao menos pudesse ser possível ires mesmo embora. Bem, há duas possibilidades.
Uma, seria a de eu chorar tua partida, aí o sonho seria um pesadelo, em que choraria a noite toda vendo as horas passarem em meu relógio, vendo minhas promessas de amor irem contigo, que me olvidarás, pensando em todas as coisas que restaram por dizer, em todas as horas que ficaram por viver. Quero enterrar essa possibilidade, bem enterrada. Assim, só resta uma, que é a da impossibilidade, uma que se desdobra em muitas.
Então que seja escrita a impossibilidade: não choro tua partida, ou choro tua não-partida. Se tu partes, não choro; se não partes, choro. No primeiro caso, podes partir voluntariamente ou empurrada por mim, podes comprar um bilhete às escondidas e partir na mudez da noite; ou posso eu mesmo comprar teu bilhete, sentindo nisso um prazer meio perverso, mas ainda prazer. Se tu não partes, não há bilhetes, ou ainda há, com rasgos arrependidos e assento vago. E sobretudo um triste retorno, visto que minha alegria é não ficares.
Livrar-me de ti, eis o sonho. Livrar-me do real impositivo que amarra meu conto, que determina a disposição das palavras, a sequência narrativa, o que se deve dizer, o conselho a dar, a experiência a transmitir. Quanto mais tento esvaziar a escritura, mais vazia ela fica, até não se suster de pé, nem deitada, nem de forma alguma.
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