Sabia-se perfeitamente triste: o ar resfolegava no peito, os membros sem vontade própria, a cabeça abandonada, o olhar cansado da perversidade da TV, do tempo, da sala nua. As músicas diziam tudo, absolutamente tudo o que não podia ser ouvido: “Esse meu choro, não quero no peito, arde por dentro e rola na face...”; “Tijolo com tijolo num desenho mágico. Seus olhos embotados de cimento e lágrima...”; “Eu quero roubar no seu jogo, eu já arraiei os seus discos...”; tudo, definitivamente tudo. Emudecia-se com os mais e os porquês. Admitia o silêncio, mesmo que este penetrasse lancinando os seus ouvidos, o acolhia dificilmente porque precisava engolir tudo a seco.
O dia fora bom. Mas o céu fora de esquadro, as horas fora de tom, as cores fora de ordem. Precisou abandonar o trabalho, os amigos, precisou abandonar-se. E o fez logo que começara o dia, tinha direito a tudo, estava perfeitamente triste. Percorreu alguns quarteirões antes que o pensamento fugisse para demasiado distante, necessitava que o pensamento aquiescesse ao propriamente físico, ora!, a sua tristeza perfeita atacava diretamente a carne! Então que tudo fosse perfeitamente triste.
A cabeça pesava de tal modo que preferiu uma vodka. Sentou-se à mesa do centro. Ali permanecia parafusando sua dor, mas antes que concluí-se, ela entrou devastando tudo. O dano maior foi que não o percebeu, chegou quietamente e tomou um local bem próximo ao dele, e não o olhou. Ele baixou a cabeça, ou foi antes uma pedra caindo num abismo! – a única ação que se deu conta é que contava os dedos descontroladamente... e ela não o olhava. “Mas será que ela não me viu? Finge! Sinto que finge! Please God! Help me!”. Levantou-se, e persistia a cabeça baixa. Foi até o banheiro. Um pouco de água na cara. Olhou-se no espelho buscando atingir alguma arma para que também a ferisse, mas, quando se lembrou de sua fraqueza, outra levada de água arrastou tudo pelo ralo da pia, e a única arma que lhe restou – a que necessitava de muita força para carregá-la – foi ainda sua cara de espanto. Voltou com a resolução de desenterrar tudo daquele buraco que cavaram e agora só escondia-se nele, somente dentro dele, sem que o pudesse tampá-lo por inteiro. “Diga-me! Se me ferir – ora! O que pode mais pesar sobre mim? – sou o responsável! Mas prefiro saber tudo de uma vez! Não me obrigue...”, e ela não o olhava. Então ele percebeu aquele sorriso ardiloso. E ela concentrou todo o seu peso sobre o olhar dele. Ele então procura alguma outra direção, carregando os olhos para um lado e para o outro, mas não conseguia mais o chão. A sua tristeza perfeita transformava-o em algo que ele nunca pôde reconhecer que havia dentro dele. Desesperou-se e efetivamente virou o copo com vodka num trago breve e sem piedade de si. A cara enrubesceu tão repentinamente, que não pode tocar em sua face. “Diga-me, por favor!...”. O punho seco sobre a mesa e ela permanecia o silêncio daquele sorriso ardiloso...
A sua tristeza perfeita nunca mais fora a mesma. Agora ele permanecia tão fissurado, ou até mesmo mais apaixonado por ela, que vivia pelas ruas desencontrando os amigos, a família, a si mesmo. A única razão agora seria encontrar ele mesmo a resposta, ou sabe-se lá o que procurava em meio aquele abandono total. “Diga-me, por favor!”. E ela, que o elegeu ao seu governo absoluto, escondia-se no único lugar em que ele não conseguia alcançá-la por completo: dentro do buraco que ele próprio cavara.
[Madjer]
Postar um comentário