Beatriz morava em uma típica cidadezinha do interior, com seus bichos, plantas, lagos, montanhas e um infinito céu azul. Adorava o lugar em que vivia, mas sentia falta de uma coisa que ela só conhecia por causa dos livros e da televisão: o mar.
Dom Casmurro era o livro que ela mais gostava, sobretudo, pela presença constante do mar. Beatriz nunca vira descrição mais profunda quanto àquela dos “olhos de ressaca”, que tanto a inquietavam e fascinavam.
Ela sempre teve um desejo intenso de um dia conhecer o mar. Quando lhe perguntavam o porquê de tal desejo, ela dizia: “Quero conhecer o mar, por que deve ser algo esplêndido, colossal. Acho fascinante o movimento que das águas revoltas e o barulho que a onda faz quando quebra ou bate em uma insistente pedra que cisma em cruzar se caminho, é tão vibrante quanto as batidas de um coração apaixonado.”
Quando sua mãe ouvia isso, dizia apenas: “Deixe de sonhos bobos, menina, e vá procurar o quê fazer!”
Mas, para ela não era um sonho bobo, ao contrário, era o encontro do infinito, pois ela era como uma ave que almeja realizar vários vôos, ainda que insistam em cortar suas asas.
Cortando-se as asas se impede o vôo imediato, mas não aniquila o desejo, e de tanto desejar conhecer o mar, Beatriz, certo dia sonhou... Sonhou que o mar se apresentava a sua frente, e como fizera uma mocinha loira de um filme que ela assistira certa vez, correu ao encontro do mar. Correu com tanta força, desejo e determinação que quando se deu conta já estava com o corpo quase todo molhado daquela água fria, diferente, inquieta, espumante e salgada, provocando-lhe sensações que nunca tivera antes.
O mar a envolvia como um abraço suplicante e insistentemente a puxava para dentro de si. Ela de tão envolvida e emocionada que estava nem se dava conta do perigo, simplesmente avançava como um coração desavisado e quando lembrou que nunca aprendera a nadar, sentiu um abraço apertado, sufocante, como se fosse uma serpente a envolvê-la por inteiro e sentiu pela última vez o movimento que a onda faz, levantando-nos para o alto, forçando-nos a pular, até que se afogou e conheceu as profundezas ocultas da morte.
Beatriz acordou cansada por conta das lutas incessantes para reencontrar aquela pequena luz, que ela via em sonho quando estava chegando às profundezas. Sentiu na boca um gosto salgado de morte, mas nem por isso deixou de desejar conhecer o mar, pois aquele abraço que a envolvera, aparentemente a prendendo também, fornecia-lhe uma infinita libertação que só se encontra nos inexplicáveis sonhos.
Luciana Braga. (Em: 25/08/10).
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