Tecendo a Escritura
(Luciana Braga)
̶ Não sou louco.
̶ Mas é claro que és. Se tu fosses pessoa sã não baterias em ti mesmo e nas pedras, pessoas sãs batem em outras pessoas sãs, ou em loucas, caso as encontrem.
̶ O que dizes não faz sentido! Acabastes de dizer que sonhastes isto.
̶ Tens razão. Caso não encontrasses um louco ou um são, sendo tu um louco, baterias em ti mesmo, claro. Mas, mesmo assim, não baterias nas pedras. Realmente és louco.
̶ Não, tu és o louco.
̶ Sim, eu o sou, mas, diferente de ti, não tento negá-lo. Dizem que os loucos jamais se dizem assim, então isto prova que és louco.
̶ Já te disse que não sou.
̶ Eu sabia: louco.
̶ Pois se assim o dizes eu digo que sou louco!
̶ Eu já sabia.
̶ E agora?
̶ O que?
̶ Não dirás que sou são por dizer-me louco?
̶ Não. És louco, já disse.
̶ Mas isso não faz sentido!
̶ Eu sou louco, não preciso fazer sentido.
̶ Desisto de ti!
̶ Desisto de mim.
̶ Vá embora! Não quero mais te ver ou falar contigo. Deixe-me só.
̶ Desculpe, mas não posso. Já te disse, sonhei contigo.
̶ E isso o que tem?
̶ Tem que hoje morreremos. Não prestastes atenção no que disse?
̶ Como assim morreremos? Só por causa de um sonho?
̶ Sonho? Eu digo que morreremos e isto não é sonho, é real.
̶ Quem tu pensas que é para dizer quando morrerei? Tu que és apenas um homem, sombra, reflexo, poeira, nada!
̶ Nada de poeira. Apenas o reflexo da sombra de um homem? Talvez. Mas, errastes numa coisa: não morrerás, morreremos, pois o teu destino está ligado ao meu já que és o meu reflexo no espelho.
̶ Enlouquecestes? Eu jamais seria o teu reflexo! Quando muito serias tu o meu reflexo.
̶ Desculpe, mas já não posso continuar esta conversa. O sol já está se pondo e eu devo me despedir de ti. Sabes que aqui não há luz e hoje, diferente do sonho, é dia de lua novo. Jamais nos veremos novamente, morreremos esta noite e só nos resta o adeus.
̶ Perdestes completamente o juízo? Que pergunta esta que faço a um louco! Estais a me contagiar! Pensas que vais embora e me deixar aqui falando sozinho? Eu partirei antes de ti e das duas uma, ou irei ao teu enterro amanhã ou te encontrarei aqui, no mesmo horário a te esfregar na cara minha vida e minha existência!
̶ Adeus bom amigo e obrigado por todos estes anos de companheirismo.
̶ Até amanhã seu doido varrido!
Camila Sâmia
O último suspiro
Leva a leve borboleta.
Camila Sâmia
Segundo imortal.
Luar, um grito calar.
Lamento final.
Camila Sâmia
Ó tempo infalível
Enterra no mar esta era
Momento indizível
Camila Sâmia
Minha mente, eterna traiçoeira,
Esmaga a rosa de minha vida
E só se prende a espinhos, lágrimas,
Sangue.
Persigo momentos cobertos de sorrisos
Mas, quando encontro, só me restam sombras,
Só me restam traços, letras, sussurros,
Ilusão e incerteza, minha herança é
Nevoeiro.
Camila Sâmia
O mar separo para base ser.
A espuma, branco véu do meu fazer,
Será firme cimento do impossível
E eu clamo pelo vento, o mais terrível,
Pois tetos e muralhas quero erguer.
Do tempo não almejo nada ter
Desejo o material mais perecível.
As letras são degraus de minha escada.
Idéias? Só adornos no festim.
O pensamento vaga como guarda.
Insuportável sonho é este sim
Que vive de palavras e mais nada,
Mas se há algo melhor diga pra mim.
Camila Sâmia
Procurei por seus cabelos, sua pele, seu odor.
Procurei por suas palavras, sorrisos e risadas.
Procurei como louca, mas ele não estava lá.
Quando entregue aos caprichos do sono,
Enganador eterno, eterno traiçoeiro eterno,
Podia ver seu olhar, seus gestos, seus sorrisos.
Podia ver você.
Mas, nesta noite, já desperta, sei a verdade.
Você nunca esteve lá.
Camila Sâmia
Ouço um som.
Tal espelho, em sete ou seis partes sinto em meu peito partir.
Em cada reflexo um momento, uma lembrança.
Tão poucas, tão in-si-g-ni-fi-can-tes.
“Melhor assim”, penso.
Mais tarde, mais alimentadas
Felizes por se sentirem seguras, desejadas, am...
Sei que se partiriam em impossíveis pedaços.
Que o sopro de seu “adeus” mandaria pelo infinito
Deixando em meu peito nada, além do vazio
E em minha mente nada, além de você.
Camila Sâmia
A loja era antiga e cansada. Muito tempo havia se passado e ela continuava lá. Chamava-se assim: “A Loja”, era o suficiente. Trazia consigo a sabedoria da idade e a personalidade múltilha dos que por ela passaram deixando sua marca. Eu sabia disso, pois já conhecia esse lugar, mesmo sem nunca ter vindo aqui antes.
Foi-me advertido, em sonho, para nunca me aproximar. Não pude resistir quando a vi de longe. Luzes artificiais refletiam na porta e chamavam minha atenção para aquela palavra tão perigosa: aberto.
Uma palavra apenas e eu estava perdida.
Um pequeno sino tocou quando ela abriu a porta.
Olhos cautelosos varreram o lugar. Passos lentos acompanhavam aquele olhar. Pareceu por um segundo ter uma luz de conhecimento apagada, no entanto, pelas trevas de seguinte confusão. Parou, observou as estantes reconhecendo nos codex antigos talvez uma tábua de salvação, mais próxima de sua realidade.
“Boa noite”, disse, “vim à procura de um livro”.
O silêncio a atendeu no lugar de qualquer vendedor e ela pareceu satisfeita pois seguiu as estantes cada vez mais para dentro. Bobagem procurar um livro. O livro é quem acha. Ao livro as pessoas pertencem, não o contrário. Mas ela se perdeu pelos corredores infindáveis daquelas páginas que a levavam por caminhos que nem eu sabia onde iriam dar.
Agora não importa. O cenário ainda não está completo.
Fui aprisionado por aquela porta.
Ao seguir pelo caminho conhecido, jamais esperei que um reflexo tão básico me aprisionaria daquela forma. Básico, eis aí uma palavra controversa. Não por ser simples, longe disso, era porque um reflexo numa porta de vidro é um princípio, o início de uma jornada por um mundo de possibilidades.
Fui tragado em completa confusão para dentro daquele lugar, sem chances de resistência ou de fuga.
O sino anunciou a entrada do outro.
O brilho em seus olhos mostrava completo fascínio pela visão que tinha, ele era um prisioneiro. Aquele brilho, aquele olhar de sede, me mostraram que ele era um joguete de seus desejos. Vislumbrando cada reflexo ele ia de espelho em espelho sendo tragado por aqueles corredores enquanto andava, sem saber, em direção de seu destino.
Tal qual espectro eu vagava pelos corredores daquela loja. Não pude evitar. Ao abrir a porta encontrei a única pessoa que jamais esperei ver: eu. Estava lá, dentro do espelho à me mirar. De quem foi a idéia de colocar um espelho em frente à porte? Depois, nada me restou se não seguir cada espelho que se refletia no anterior formando um labirinto impossível. A estrada não me pertencia - nunca pertence! -, mas eu segui por ela buscando espelhos.
De estante em estante ela vagou a procurar seu livro. Palavras, frases, idéias, mundos. Espelhos o levavam como ondas por aqueles corredores. Em busca de si ele mergulhava cada vez mais fundo. Seus dedos tamborilavam nas lombadas década exemplar marcando o compasso e seu coração cada vez mais veloz. Ela se aproximava. Palavra, letra, som, idéia. Ele agora corria por aquele labirinto interminável carregando em seu coração o ritmo conhecido apenas pelos loucos ou as crianças, conhecedoras que são dos mistérios indecifráveis da alma. Íntimas do impossível. O mundo que gira pára de girar. Os relógios não mais seguem seu caminho. Tudo cessou, pois ela encontrou o livro.
Conseguia ouvir apenas o som de meu coração agora. Parecia um louco em plena fuga. Tirei o livro de seu lugar, não importava onde estava, tudo teria resposta, pois o havia encontrado enfim. Afastei-o um pouco de mim, teria agora a dimensão de todo o seu poder e sabia disso, saberia finalmente a verdade jamais revelada em sonho ou realidade. Delicadamente acariciei a lateral e me preparei para o vislumbre da primeira página. Meu coração agora estava descompassado. Aquele barulho era ensurdecedor, eu estava ficando louca com a expectativa, mas, de repente, ele parou. O som cessou, mas meu coração continuava a bater, eu sentia.
Eu esperava por nada e por qualquer coisa, mas não para o que me foi apresentado, nunca. Era um reflexo. Meu reflexo. Mesmo sorriso de excitação, mesmos cabelos de fugitiva, mesmos olhos de expectativa. Era eu, todo esse tempo a resposta era eu. Pensei sobre isso decepcionada até que o senti. Não estava mais sozinha naquele lugar. Agora sabia quem era responsável por aquele som dos infernos que estava a me assombra. Eram seus passos. Sabia que ele estava bem atrás de mim e pensei, ainda, em fugir, mas já era tarde. Através do espelho, eu o vi mirando aquela página. Parecia perdido, encantado, seduzido por aquele livro sinistro que até então seduzira a mim.
Naquele momento eu soube que estava livre.
O feitiço agora havia pego outro e eu poderia ir, naquele momento, só naquele momento. Mas aí eu olhei para aqueles olhos e o mar me atingiu, senti-me encharcada naquelas águas perversas. Cada onda me arrastando para aquele abismo eterno enquanto eu, pobre náufraga, nadava furiosamente em busca das margens. E eu achei que iria conseguir até que a sentença foi selada. Ele, através daquele espelho, olhou para mim.
Não havia mais volta. O destino se cumprira, a resposta fora dada, tudo estava acabado.
Camila Sâmia
Cantando com o vento, ele descobre caminhos, ensaia imagens.
Dançando com as folhas, ele desenha histórias, escuta mensagens.
Brincando com a água, ele desperta desejos, constrói miragens.
Flertando com o fogo, ele desvenda mistérios, cria passagens.
Latis, o sonho, está em todas as partes, sempre à procura.
Mas, Latis, o sonho, se fere, se cansa, nunca é fácil sonhar. Látis, o sonho, humano, resolve voltar a seu princípio. À frente da porta bate uma, duas, três vezes.
“Volte por onde veio”, diz Sentinela.
“Não posso continuar, há muito viajo, mas ninguém consigo encontrar.”
“Desta porta não há volta, é um caminho só de ida. Deves procurar o seu sonhador no lugar onde ele está.”
“Mas o busco enquanto dorme”, diz o triste Latis.
“Então o procure acordado”, fala, sereno, Sentinela.
“Mas o procuro acordado”, chora o pobre Latis.
“Pois o busque em sua casa, praças...”
“Mas viajo por essas paragens e também por cemitérios. Busco no gelo, calor, chuva e deserto. Nas flores, pedra estou a procurá-lo. No belo, tenebroso, ontem, hoje e amanhã. Se ele existe não consigo encontrar. Não posso a essa busca retornar”;diz, chora e se desespera o inconsolável Látis.
Mas o silêncio preenche todas as partes até ensurdecer Látis.
Latis grita, chora, se desespera, pára.
Cala, fala, sussurra, espera.
“Tu és um sonho, Látis, e um sonhador é o que buscas. O sonhar também te busca e nem sabe disso. Estais em todas as partes, que é onde deves estar. O sonhador é um cego que, um dia, se verá diante de ti e escolherá fugir ou tentar te entender. Caso a escolha seja a segunda, ele se verá diante de algo único, descobrirá a ti e a si mesmo. Tudo fará sentido e ele saberá por onde andar, caminhos tortuosos onde, ébrio, ele vagará sem rumo a seu lado. Será completo por que ele te encontrou e serás completo por ele estar junto a ti. E, nessa completude, descobrirão um vazio que só será preenchido por outro sonhador. Seguirão por este caminho louco em busca de porquês, razões e sentidos; então, quando descobrirem nada, saberás realmente que encontrastes teu sonhador.”
Látis, o sonho, dá as costas à Porta e olha o caminho a seguir.
“Vais pelo mundo, Latis, e busca o teu sonhador.”
Camila Sâmia
Perfomance que reflete sobre as relações sexistas e de gênero na sociedade de consumo.
Qual o valor da mulher nesse contexto?
Coletivo PARE
Semana de Direitos Humanos-SDH
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About me. Edit this in the options panel.
Quem somos nós
" vamos nos tornando pouco compreendidos por aquelas pessoas inteligentes que não sabem que o artista vive só,que o valor absoluto das coisas que vê não importa para ele, que a escala de valores só pode ser encontrada nele mesmo."
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"Paixão" |
(Luciana Braga)
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O laço de Afrodite |
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DuElo |
̶ Eu já sabia que hoje, no finzinho da tarde, ia te encontrar. Sonhei contigo, hoje, agora à tarde. Estava bem claro e a lua vermelha espelhava nos teus olhos, cobertos de pranto. Se batendo contra as pedras em que cravavas tuas mãos, tal garras, hora golpeavas as pedras, hora a ti mesmo até que as pedras se quebravam e tu caías, desequilibrado, no meio delas. Mas, eis que as pedras se fecham e tu agora também és pedras! Sonho louco este. Mas, por que ris? Tu que és tão louco quanto este sonho?
̶ Não sou louco.
̶ Mas é claro que és. Se tu fosses pessoa sã não baterias em ti mesmo e nas pedras, pessoas sãs batem em outras pessoas sãs, ou em loucas, caso as encontrem.
̶ O que dizes não faz sentido! Acabastes de dizer que sonhastes isto.
̶ Tens razão. Caso não encontrasses um louco ou um são, sendo tu um louco, baterias em ti mesmo, claro. Mas, mesmo assim, não baterias nas pedras. Realmente és louco.
̶ Não, tu és o louco.
̶ Sim, eu o sou, mas, diferente de ti, não tento negá-lo. Dizem que os loucos jamais se dizem assim, então isto prova que és louco.
̶ Já te disse que não sou.
̶ Eu sabia: louco.
̶ Pois se assim o dizes eu digo que sou louco!
̶ Eu já sabia.
̶ E agora?
̶ O que?
̶ Não dirás que sou são por dizer-me louco?
̶ Não. És louco, já disse.
̶ Mas isso não faz sentido!
̶ Eu sou louco, não preciso fazer sentido.
̶ Desisto de ti!
̶ Desisto de mim.
̶ Vá embora! Não quero mais te ver ou falar contigo. Deixe-me só.
̶ Desculpe, mas não posso. Já te disse, sonhei contigo.
̶ E isso o que tem?
̶ Tem que hoje morreremos. Não prestastes atenção no que disse?
̶ Como assim morreremos? Só por causa de um sonho?
̶ Sonho? Eu digo que morreremos e isto não é sonho, é real.
̶ Quem tu pensas que é para dizer quando morrerei? Tu que és apenas um homem, sombra, reflexo, poeira, nada!
̶ Nada de poeira. Apenas o reflexo da sombra de um homem? Talvez. Mas, errastes numa coisa: não morrerás, morreremos, pois o teu destino está ligado ao meu já que és o meu reflexo no espelho.
̶ Enlouquecestes? Eu jamais seria o teu reflexo! Quando muito serias tu o meu reflexo.
̶ Desculpe, mas já não posso continuar esta conversa. O sol já está se pondo e eu devo me despedir de ti. Sabes que aqui não há luz e hoje, diferente do sonho, é dia de lua novo. Jamais nos veremos novamente, morreremos esta noite e só nos resta o adeus.
̶ Perdestes completamente o juízo? Que pergunta esta que faço a um louco! Estais a me contagiar! Pensas que vais embora e me deixar aqui falando sozinho? Eu partirei antes de ti e das duas uma, ou irei ao teu enterro amanhã ou te encontrarei aqui, no mesmo horário a te esfregar na cara minha vida e minha existência!
̶ Adeus bom amigo e obrigado por todos estes anos de companheirismo.
̶ Até amanhã seu doido varrido!
Camila Sâmia
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Num campo de flores
O último suspiro
Leva a leve borboleta.
Camila Sâmia
Segundo imortal.
Luar, um grito calar.
Lamento final.
Camila Sâmia
Ó tempo infalível
Enterra no mar esta era
Momento indizível
Camila Sâmia
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Fujo das lembranças
Minha mente, eterna traiçoeira,
Esmaga a rosa de minha vida
E só se prende a espinhos, lágrimas,
Sangue.
Persigo momentos cobertos de sorrisos
Mas, quando encontro, só me restam sombras,
Só me restam traços, letras, sussurros,
Ilusão e incerteza, minha herança é
Nevoeiro.
Camila Sâmia
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O Arquiteto ou Arquiteto de Sonhos |
Conheça o arquiteto do impossível.
O mar separo para base ser.
A espuma, branco véu do meu fazer,
Será firme cimento do impossível
E eu clamo pelo vento, o mais terrível,
Pois tetos e muralhas quero erguer.
Do tempo não almejo nada ter
Desejo o material mais perecível.
As letras são degraus de minha escada.
Idéias? Só adornos no festim.
O pensamento vaga como guarda.
Insuportável sonho é este sim
Que vive de palavras e mais nada,
Mas se há algo melhor diga pra mim.
Camila Sâmia
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Tateei numa noite a meu lado na cama, mas ele não estava lá.
Procurei por seus cabelos, sua pele, seu odor.
Procurei por suas palavras, sorrisos e risadas.
Procurei como louca, mas ele não estava lá.
Quando entregue aos caprichos do sono,
Enganador eterno, eterno traiçoeiro eterno,
Podia ver seu olhar, seus gestos, seus sorrisos.
Podia ver você.
Mas, nesta noite, já desperta, sei a verdade.
Você nunca esteve lá.
Camila Sâmia
Ouço um som.
Tal espelho, em sete ou seis partes sinto em meu peito partir.
Em cada reflexo um momento, uma lembrança.
Tão poucas, tão in-si-g-ni-fi-can-tes.
“Melhor assim”, penso.
Mais tarde, mais alimentadas
Felizes por se sentirem seguras, desejadas, am...
Sei que se partiriam em impossíveis pedaços.
Que o sopro de seu “adeus” mandaria pelo infinito
Deixando em meu peito nada, além do vazio
E em minha mente nada, além de você.
Camila Sâmia
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Entre reflexos e folhas |
O vento da noite sussurrava para aqueles que falavam sua língua.
A loja era antiga e cansada. Muito tempo havia se passado e ela continuava lá. Chamava-se assim: “A Loja”, era o suficiente. Trazia consigo a sabedoria da idade e a personalidade múltilha dos que por ela passaram deixando sua marca. Eu sabia disso, pois já conhecia esse lugar, mesmo sem nunca ter vindo aqui antes.
Foi-me advertido, em sonho, para nunca me aproximar. Não pude resistir quando a vi de longe. Luzes artificiais refletiam na porta e chamavam minha atenção para aquela palavra tão perigosa: aberto.
Uma palavra apenas e eu estava perdida.
Um pequeno sino tocou quando ela abriu a porta.
Olhos cautelosos varreram o lugar. Passos lentos acompanhavam aquele olhar. Pareceu por um segundo ter uma luz de conhecimento apagada, no entanto, pelas trevas de seguinte confusão. Parou, observou as estantes reconhecendo nos codex antigos talvez uma tábua de salvação, mais próxima de sua realidade.
“Boa noite”, disse, “vim à procura de um livro”.
O silêncio a atendeu no lugar de qualquer vendedor e ela pareceu satisfeita pois seguiu as estantes cada vez mais para dentro. Bobagem procurar um livro. O livro é quem acha. Ao livro as pessoas pertencem, não o contrário. Mas ela se perdeu pelos corredores infindáveis daquelas páginas que a levavam por caminhos que nem eu sabia onde iriam dar.
Agora não importa. O cenário ainda não está completo.
Fui aprisionado por aquela porta.
Ao seguir pelo caminho conhecido, jamais esperei que um reflexo tão básico me aprisionaria daquela forma. Básico, eis aí uma palavra controversa. Não por ser simples, longe disso, era porque um reflexo numa porta de vidro é um princípio, o início de uma jornada por um mundo de possibilidades.
Fui tragado em completa confusão para dentro daquele lugar, sem chances de resistência ou de fuga.
O sino anunciou a entrada do outro.
O brilho em seus olhos mostrava completo fascínio pela visão que tinha, ele era um prisioneiro. Aquele brilho, aquele olhar de sede, me mostraram que ele era um joguete de seus desejos. Vislumbrando cada reflexo ele ia de espelho em espelho sendo tragado por aqueles corredores enquanto andava, sem saber, em direção de seu destino.
Tal qual espectro eu vagava pelos corredores daquela loja. Não pude evitar. Ao abrir a porta encontrei a única pessoa que jamais esperei ver: eu. Estava lá, dentro do espelho à me mirar. De quem foi a idéia de colocar um espelho em frente à porte? Depois, nada me restou se não seguir cada espelho que se refletia no anterior formando um labirinto impossível. A estrada não me pertencia - nunca pertence! -, mas eu segui por ela buscando espelhos.
De estante em estante ela vagou a procurar seu livro. Palavras, frases, idéias, mundos. Espelhos o levavam como ondas por aqueles corredores. Em busca de si ele mergulhava cada vez mais fundo. Seus dedos tamborilavam nas lombadas década exemplar marcando o compasso e seu coração cada vez mais veloz. Ela se aproximava. Palavra, letra, som, idéia. Ele agora corria por aquele labirinto interminável carregando em seu coração o ritmo conhecido apenas pelos loucos ou as crianças, conhecedoras que são dos mistérios indecifráveis da alma. Íntimas do impossível. O mundo que gira pára de girar. Os relógios não mais seguem seu caminho. Tudo cessou, pois ela encontrou o livro.
Conseguia ouvir apenas o som de meu coração agora. Parecia um louco em plena fuga. Tirei o livro de seu lugar, não importava onde estava, tudo teria resposta, pois o havia encontrado enfim. Afastei-o um pouco de mim, teria agora a dimensão de todo o seu poder e sabia disso, saberia finalmente a verdade jamais revelada em sonho ou realidade. Delicadamente acariciei a lateral e me preparei para o vislumbre da primeira página. Meu coração agora estava descompassado. Aquele barulho era ensurdecedor, eu estava ficando louca com a expectativa, mas, de repente, ele parou. O som cessou, mas meu coração continuava a bater, eu sentia.
Eu esperava por nada e por qualquer coisa, mas não para o que me foi apresentado, nunca. Era um reflexo. Meu reflexo. Mesmo sorriso de excitação, mesmos cabelos de fugitiva, mesmos olhos de expectativa. Era eu, todo esse tempo a resposta era eu. Pensei sobre isso decepcionada até que o senti. Não estava mais sozinha naquele lugar. Agora sabia quem era responsável por aquele som dos infernos que estava a me assombra. Eram seus passos. Sabia que ele estava bem atrás de mim e pensei, ainda, em fugir, mas já era tarde. Através do espelho, eu o vi mirando aquela página. Parecia perdido, encantado, seduzido por aquele livro sinistro que até então seduzira a mim.
Naquele momento eu soube que estava livre.
O feitiço agora havia pego outro e eu poderia ir, naquele momento, só naquele momento. Mas aí eu olhei para aqueles olhos e o mar me atingiu, senti-me encharcada naquelas águas perversas. Cada onda me arrastando para aquele abismo eterno enquanto eu, pobre náufraga, nadava furiosamente em busca das margens. E eu achei que iria conseguir até que a sentença foi selada. Ele, através daquele espelho, olhou para mim.
Não havia mais volta. O destino se cumprira, a resposta fora dada, tudo estava acabado.
Camila Sâmia
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Latis, o sonho |
Latis, o sonho, voa pelo mundo em busca de seu sonhador.
Cantando com o vento, ele descobre caminhos, ensaia imagens.
Dançando com as folhas, ele desenha histórias, escuta mensagens.
Brincando com a água, ele desperta desejos, constrói miragens.
Flertando com o fogo, ele desvenda mistérios, cria passagens.
Latis, o sonho, está em todas as partes, sempre à procura.
Mas, Latis, o sonho, se fere, se cansa, nunca é fácil sonhar. Látis, o sonho, humano, resolve voltar a seu princípio. À frente da porta bate uma, duas, três vezes.
“Volte por onde veio”, diz Sentinela.
“Não posso continuar, há muito viajo, mas ninguém consigo encontrar.”
“Desta porta não há volta, é um caminho só de ida. Deves procurar o seu sonhador no lugar onde ele está.”
“Mas o busco enquanto dorme”, diz o triste Latis.
“Então o procure acordado”, fala, sereno, Sentinela.
“Mas o procuro acordado”, chora o pobre Latis.
“Pois o busque em sua casa, praças...”
“Mas viajo por essas paragens e também por cemitérios. Busco no gelo, calor, chuva e deserto. Nas flores, pedra estou a procurá-lo. No belo, tenebroso, ontem, hoje e amanhã. Se ele existe não consigo encontrar. Não posso a essa busca retornar”;diz, chora e se desespera o inconsolável Látis.
Mas o silêncio preenche todas as partes até ensurdecer Látis.
Latis grita, chora, se desespera, pára.
Cala, fala, sussurra, espera.
“Tu és um sonho, Látis, e um sonhador é o que buscas. O sonhar também te busca e nem sabe disso. Estais em todas as partes, que é onde deves estar. O sonhador é um cego que, um dia, se verá diante de ti e escolherá fugir ou tentar te entender. Caso a escolha seja a segunda, ele se verá diante de algo único, descobrirá a ti e a si mesmo. Tudo fará sentido e ele saberá por onde andar, caminhos tortuosos onde, ébrio, ele vagará sem rumo a seu lado. Será completo por que ele te encontrou e serás completo por ele estar junto a ti. E, nessa completude, descobrirão um vazio que só será preenchido por outro sonhador. Seguirão por este caminho louco em busca de porquês, razões e sentidos; então, quando descobrirem nada, saberás realmente que encontrastes teu sonhador.”
Látis, o sonho, dá as costas à Porta e olha o caminho a seguir.
“Vais pelo mundo, Latis, e busca o teu sonhador.”
Camila Sâmia
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soneto eco |
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novembro
(38)
- O laço de Afrodite
- DuElo
- Num campo de flores O último suspiro Leva a leve b...
- Fujo das lembranças Minha mente, eterna traiçoeira...
- O Arquiteto ou Arquiteto de Sonhos
- Tateei numa noite a meu lado na cama, mas ele não ...
- Entre reflexos e folhas
- Latis, o sonho
- <!-- /* Font Definitions */ @font-face {fo...
- Provocação Artística Ritual e Experimental-PARE
- Perfomance poética
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